Entre o desejo e a restrição: o paradoxo alimentar na sociedade da imagem
A comida tem assumido papel de adereço nas campanhas publicitárias contemporâneas – aparece como ornamento em marcas luxuosas e populares, cercando perfumes, maquiagens e até roupas. É comum vermos frutas tropicais vendendo batons ou hambúrgueres promovendo tênis. No entanto, por trás dessas imagens sedutoras, há uma contradição evidente no atual modelo de consumo: somos bombardeados por estímulos visuais que exaltam o prazer alimentar ao mesmo tempo em que cultuamos a magreza como sinônimo de sucesso. Programas de culinária, vídeos de receitas supercalóricas, reels de doces e frituras viralizam, enquanto cresce a medicalização do corpo magro, como no caso do uso indiscriminado do Ozempic – originalmente indicado para controle do diabetes tipo 2, mas hoje consumido com o único intuito de emagrecer. Afinal, se o ideal é ser magro, por que estamos cercados por imagens que nos convidam a comer? A resposta é simples e brutal: comida vende, mesmo quando não é para ser comida. A estética da alimentação tornou-se lucrativa, mesmo em uma sociedade que celebra o corpo enxuto como símbolo de status – acessível apenas a quem dispõe de tempo, dinheiro e controle, recursos escassos para a maioria da população. Nas redes sociais, influencers esguias simulam se deliciar com chocolates ou hambúrgueres em vídeos que, no fundo, querem vender cosméticos. Esse tipo de exposição constrói narrativas ilusórias e fomenta frustrações reais. A imagem de alimentos desperta desejos, evoca sensações e influencia comportamentos, mesmo quando está em segundo plano. Vivemos, portanto, uma relação distorcida com a comida: comemos com culpa, desejamos com restrição e admiramos à distância. A semiótica da alimentação mudou – o banquete de frutas, carnes e vinhos dos quadros renascentistas deu lugar à mesa minimalista dos dias atuais, com iogurtes proteicos, legumes orgânicos e cortes magros, inacessíveis para grande parte da população. Nesse cenário, é urgente desenvolver um olhar mais crítico sobre os estímulos ao nosso redor. Nem tudo o que parece saudável é acessível, nem todo desejo é genuíno. Comer, além de necessidade biológica, é também um ato político e afetivo. Que possamos, então, alimentar o corpo com mais afeto e menos culpa – e consumir com mais consciência do que impulso.
Ana Luiza Miranda - Acadêmica do 3º semestre do Curso de Enfermagem da FEMA
Profº Cleiton Edmundo Baumgratz - Docente da Disciplina de Educação em Saúde e coordenador do NPPGE da FEMA